Sobre as Aparições de D. Antónia – Relato Oral
Recolha do relato oral de Maria Inocência Silva, em respeito às aparições de D. Antónia Ferreira, para envio ao Vaticano, com vista à santificação da «Beata Ferreirinha».
1.º Relato: Recolhido logo após as primeiras aparições
«Os senhores, olhem, se quiserem acreditar, acreditem, sei que a mim não veio ninguém, e também tenho passado por uns maus bocados desde que perdi o meu Carlos lá em Lalys. Não me tem faltado o que comer, isso não, que tenho um bom pedaço de terra, e aquilo não me posso queixar, o que se planta é o que se tem, talvez tenha sido por isso que a senhora D. Antónia não me apareceu à porta. Não sei que lhes diga, é que não sei mesmo. Eu sou uma pessoa cá com os meus botões, mas disse a Hermínia, que trata da capela comigo, que lhe apareceu a assombração, assim magrinha, as roupas todas bonitas e renda na cabeça. Disse que lhe deu que comer para coisa de um mês! Vejam lá os senhores! Não quis estar para intrigar, que a Hermínia é mulher das decentes, nunca lhe soube de vício, mas às vezes exagera, percebem? E sei lá que raio foi, se não terá sido uma dessas senhoras que aí andam a fazer bem, das vivas mesmo, olhem, enfim. Mas depois juntou-se a Adelaide, que vinha com as rendas novas para os altares, e pôs-se a fazer coro, que também a tinha visto e que fora um alívio, que os pequenos já só choravam, que não tinha mais nada que não água para lhes meter na barriga. Também sempre achei que tinha filhos a mais, mas não é assunto meu. Comecei a desconfiar, os senhores entendem? Já eram duas, e meteram-se lá em conversa, as descrições batiam, até sobre a chuva diziam o mesmo. Depois a Adelaide disse que andava a fazer um enxoval para a santa e aí tive de me meter, tive mesmo, que não gosto nada, mas com coisas de santos não se brinca, e ela já estava ali com ideia de meter a D. Antónia na procissão, em lugar da Nossa Senhora das Dores, e isso é que não pode ser. Mas a Hermínia fez-lhe coro e, olhe, calei-me, mas não me fiquei. Fui depois ter com o senhor padre. Os senhores percebem, eu não me dou a intrigas, mas ali teve de ser, e bem razão tive, que o senhor padre concordou comigo que essas coisas não se fazem assim, que era um desrespeito para a Mãe de Nosso Senhor, que é também Mãe de todos nós, e que era até pecado cair nessas superstições. Depois disso os senhores, olhem, nem imaginam, fez-se uma guerra. O povo a querer a senhora D. Antónia na procissão, e o senhor padre a dizer que não. Foi um desrespeito! Alguns houve que deixaram de lhe ir à missa, foram à da aldeia ao lado. E mais! Andaram a querer que a gente se lhes juntassem no desrespeito que por ali criaram com um homem de Deus. Não tem perdão, é que não pode ter mesmo perdão! Então andaram a ver quem ia à missa do senhor padre e a querer encurralar, que o senhor padre estava cego, que a santa era real e ainda lhe perdiam o favor, uma blasfémia! Mas olhem, senhores, o melhor é falarem com outra, que eu não sei muito, ando cá na minha vida, só acho que a Nossa Senhora é que é a Mãe de Cristo, e as mães são para respeitar. Os senhores perguntem a outros aí, que saberão melhor que eu.»
2.º Relato: Recolhido após o episódio d’ As Revelações, cerca de sete dias após as primeiras aparições
«Tenho a alma para me voltar ao corpo. É que os senhores nem sabem. Por isso voltaram, não é? Não sei porquê a mim, que não sou dada a falatório e pouco sei, mas em os senhores querendo, eu partilho o que me chegou. Então não é que a menina lá da Maria Austera apanhou com uns espiões republicanos? Pois que lhe disse a santa! Os senhores já sabem desses porcos, pois claro, por isso aqui estão. Quem ia pensar! Terem-se metido entre nós! Eu bem que desconfiei, bem avisei a Hermínia e a Adelaide, “Olhem que três marmanjos assim, por aí a vadiar, não é de fiar”, mas tantos outros há que andam nestas terras à procura de trabalho, e aqui nas quintas é sempre preciso gente, então agora na época das vindimas, é um ver se te avias, cada par de mãos é uma ajuda. Pensar que devo ter vindimado com um deles ao lado! Até se me arrepia a pele, os senhores veem? Pois então, disse-me a Austera que estava dobrada lá entre o vinhedo, quando ouve a filha “Vossemecê que me quer?” e que se levantou para perguntar à miúda com quem falava, mas que a viu a olhar para uma das videiras, e me jurou não haver ali ninguém, mas o raio da rapariga tão atenta estava, que a Austera não se atreveu a dizer nada. E nisto que o resto do povo se foi levantando e olhando a pequena. “E são quais?”, perguntou então a rapaza. Depois, já saberão, pôs-se a andar sem dar cavaco e foi ter com o senhor padre, fechado em casa, que ainda andava o povo aziado com ele, e soube-se depois que lhe disse que lhe aparecera uma mulher vestida de negro, e que dissera haver três republicanos entre os vindimadores. Disse os nomes direitinho e o senhor padre levou à Junta, que os prendeu e logo se veio a saber que era verdade. Isto há com coisas! Olhem, senhores, enfim, disse-me depois a Adelaide, toda contente, que o senhor padre acabou por autorizar sair a procissão com a Beata Ferreirinha. Os republicanos não sei, que não sou de mexeriquices, mas disse-me uma comadre que os iam enviar a uma senhora que aí anda com uns experimentos, uma tal de D. Isabel Mendonça Travassos.»
«O Regresso de D. Antónia», Carlos Silva
«Vinum Liminis Mortis», Pedro Lucas Martins
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