Grupo de patifes apodera-se de biocombustível para divertimento próprio
Artigo publicado n’ O Século, a 6 de junho de 1920, Lisboa
Testemunhas afirmam ter avistado, no coração da capital do Norte, jovens impertinentes, de cabelos penteados para trás, ou coroados por chapéus pontiagudos, a murmurar palavras bizarras, insolentes, repetitivas, ruidosas e sem sentido, às quais ousam chamar poesia, enquanto consumiam à descarada o precioso biocombustível dos nossos inimigos.
Durante os últimos dois anos, a chamada «Monarquia do Norte» tem baseado a sua superioridade militar na posse de uma quantidade considerável de vinho do Porto, que Paiva Couceiro e seus companheiros utilizam para conduzir as suas viaturas e outras máquinas de má qualidade.
No entanto, um grupo de jovens rebeldes, desconhecidos das autoridades, conseguiu deitar mão a uma reserva de setenta e cinco mil toneladas de vinho do Porto, guardado em pipas de carvalho na cave do Palácio Real, para o utilizar da mais surpreendente forma. Envergando roupas de pantera negra, por vezes enterrados em trajes cubistas, bebem, arrotam, riem e divertem-se; há semanas que são vistos a embebedarem-se vergonhosamente toda a noite.
Alguns faziam piadas muito pouco engraçadas, outros imitavam o rei com um cariz degradante; vomitaram a meio da escadaria de mármore da Santa Casa, dançaram a bater os dentes, usaram máscaras dementes, proclamaram vogais absurdas, como bêbados, e chamavam-se «dada», uma das suas muitas estúpidas palavras. Comportaram-se como bestas e selvagens, degradando a via pública e cuspindo na sua monarquia: muito simplesmente, como bêbados.
É o suficiente para nos fazer pensar na chamada «Monarquia do Norte». As impressionantes reservas de vinho do Porto que acumularam destinam-se, de facto, a fazer avançar a sua economia de guerra, ou a distrair alguns jovens delinquentes que procuram um sentido para as suas vidas? Será o projeto louvável de biocombustível apenas uma boa desculpa para levar os jovens ociosos a beber? É um claro desacreditar do regime do Norte e da sua energia sacrossanta.
[Este artigo é uma notícia falsa, utilizando uma referência implícita aos dadaístas na descrição do «grupo de jovens».]

Comentários